quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Militância cultural na Paraíba

Quem conhece a cena cultural de João Pessoa sabe que a produtividade artística sempre foi regida por contextos específicos, ora propícios a efervescência, ora fadados à estagnação. Além disso, cada período da história contemporânea artística da cidade foi marcado por representações em destaque, que posteriormente se tornariam referências daquele contexto.

Na década de 1960, o ponto forte da cultura paraibana foi o cinema novo. Os filmes Aruanda, Romeiros da Guia, Menino de Engenho, entre outras obras, representaram a produtividade cultural da Paraíba no cenário nacional. Fortalecia-se também a militância cultural, representada por figuras de diversos segmentos artísticos, a exemplo do maestro Pedro Santos e o documentarista Vladimir Carvalho, ambos à época membros do Partido Comunista Brasileiro.


Neste período a militância cultural estava transversa ao cenário político, e foi na produção artística que muita gente pôde manifestar suas opiniões e ideologias, fazendo da arte a porta de escape para a censura e a impossibilidade de expressão divergente da ordem estabelecida.

O cerco a liberdade de produção criativa decretado na década de 1970 foi refletido no fortalecimento da cultura enquanto espaço de militância pró-democracia e anti-alienação. Foi com essa proposta que nasceu o grupo Jaguaribe Carne, com a fome de externar sentimentos e experimentar possibilidades através do que denominaram “guerrilha cultural”, uma cruzada formada por artistas paraibanos e pernambucanos em prol da cultura da Paraíba e contra o analfabetismo cultural.

O grupo se tornaria referência de militância cultural em todo o Brasil, reunindo ainda hoje música, artes plásticas e literatura num projeto de mobilização artístico-popular. Desse movimento surgiram expressões artísticas como Pedro Osmar, Paulo Ró, Chico César, Escurinho, Zé Ramalho, Lenine, Elba Ramalho, o fotógrafo Gustavo Moura, e outros que também beberam da mesma fonte.

No início da década de 1980 o movimento cultural em João Pessoa estava fortalecido pela prática militante e cotidiana de quem o compunha. Entre artistas plásticos, escritores, poetas e atores, destacaram-se os músicos do Jaguaribe Carne, que propuseram a criação do Musiclube da Paraíba. O espécime de associação musical se tornaria a referência daquela década, por onde passariam artistas conhecidos da cena atual, a exemplo de Milton Dornellas, Glaucia Lima, Kennedy Costa e Adeildo Vieira, que durante uma entrevista falou sobre o Musiclube:

“O Musiclube foi muito importante para a minha formação estética e política. Este movimento ensinou que o artista deve ter consciência de que, quando está no palco, existem o público de um lado e os bastidores de outro. De um lado está a representação do mercado, que é a vinda do público para ver o seu trabalho. E, por trás, aquilo que sustenta você como estrutura. O relacionamento com essas duas situações deixa muita gente perdida, transforma muitos em marionete. Enquanto uns se perdem, outros vão, mas sem saber voltar. Para você entrar de uma maneira consistente no mercado, nas luzes do palco e nos abajures dos bastidores, tem que ter consciência do seu papel. Isso evita que a pessoa vire um bonequinho, que muitas vezes as pessoas viram” . (Entrevista ao Jornal Zona Azul, em 2005, disponível em http://zonasulnatal.blogspot.com/2005/05/entrevista-adeildo-vieira.html)

Com a reconfiguração política e social do país, na Paraíba a década de 1990 foi marcada por novos protagonistas culturais. Um novo público, para novas formas e estilos artísticos. Embora ainda com feitios advindos das décadas anteriores, a produção artística se desenlaça do aspecto “militante” e dá início a um processo de ebulição de bandas, músicos e artistas que formariam uma nova cena cultural.

Uns mais ligados em apenas tirar um som, outros buscando reaver as tradições da cultura paraibana, o certo é que foram os jovens de então os responsáveis pela nova cara da música da Paraíba, menos aguerrida em política, mais ligada em produção. É aí que surgem as bandas Cabruêra, Rotten Flies, Dead Nomads, Projeto 50, Zefirina Bomba, Paudedáemdoido, As Parêa, entre outras.

Por fim, nesta última década, nos encontramos enquanto protagonistas de uma metamorfose que vem transformando a cena cultural da cidade, onde possibilidades e desafios são constantemente postos no caminhho dos que desejam viver, produzir e consumir arte. E isso eu detalho melhor no próximo texto.

(continua...)

Um comentário:

  1. Lembro bem dos anos de 2001 e 2002, a cidade fervia... Diversas bandas, várias extintas, compunham o cenário local. Uma pena que a cidade morgou. Belo Texto, parabéns!

    Abraços.

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