quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Aquilo que é justo

Há alguns milênios Platão narrou o diálogo entre Sócrates e Protarco, e transcreveu para a história da humanidade alguns rabiscos que se por ventura fossem postos em prática, seriam capazes de modelar sociedades justas e igualitárias.

Em Fileto incidi o conceito de que são as idéias, e não os prazeres, o bem maior do homem, além do senso de justiça (“aquilo que é suficiente”) e a sabedoria. O prazer, segundo Sócrates, deve ocupar o quarto lugar na hierarquia dos bens maiores.

Mas os séculos passaram e Maquiavel apareceu para fortalecer as sociedades européias, contrastando e deixando nítidas as diferenças entre o clero, a monarquia e a plebe, em seus ensaios sobre a constituição e a manutenção do poder. Nesse caso, a justiça era a ordem do rei e a sabedoria um bem castrado pela subserviência.

E aí a contemporaneidade chega com suas revoluções e guerras mundiais, polarizando, partidarizando e readequando a sociedade mundial em um novo ciclo da humanidade. O capitalismo convenceu mais de 90% do planeta a travar uma cruzada em busca de lucro e poder, e implantou o ideário consumista, as bolsas de valores e o livre comércio.

Contúdo, há momentos em que o sistema se afoga dentro da própria ambição. O aumento tarifário atrevidamente desproporcional a média dos últimos anos, somado a exclusão proposital das vozes divergentes no processo de votação do reajuste da tarifa, foram atitudes que extrapolaram os limites tolerados por uma população até então subserviente.

O muro que abrigava de um lado o lucro inescrupuloso do oligopólio do transporte público, e do outro uma população subserviente e apática, tende a não passar de uma linha tênue nos próximos dias. Assim espero.

A luta é por direitos.
Queremos o que é justo.



quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Militância cultural na Paraíba

Quem conhece a cena cultural de João Pessoa sabe que a produtividade artística sempre foi regida por contextos específicos, ora propícios a efervescência, ora fadados à estagnação. Além disso, cada período da história contemporânea artística da cidade foi marcado por representações em destaque, que posteriormente se tornariam referências daquele contexto.

Na década de 1960, o ponto forte da cultura paraibana foi o cinema novo. Os filmes Aruanda, Romeiros da Guia, Menino de Engenho, entre outras obras, representaram a produtividade cultural da Paraíba no cenário nacional. Fortalecia-se também a militância cultural, representada por figuras de diversos segmentos artísticos, a exemplo do maestro Pedro Santos e o documentarista Vladimir Carvalho, ambos à época membros do Partido Comunista Brasileiro.


Neste período a militância cultural estava transversa ao cenário político, e foi na produção artística que muita gente pôde manifestar suas opiniões e ideologias, fazendo da arte a porta de escape para a censura e a impossibilidade de expressão divergente da ordem estabelecida.

O cerco a liberdade de produção criativa decretado na década de 1970 foi refletido no fortalecimento da cultura enquanto espaço de militância pró-democracia e anti-alienação. Foi com essa proposta que nasceu o grupo Jaguaribe Carne, com a fome de externar sentimentos e experimentar possibilidades através do que denominaram “guerrilha cultural”, uma cruzada formada por artistas paraibanos e pernambucanos em prol da cultura da Paraíba e contra o analfabetismo cultural.

O grupo se tornaria referência de militância cultural em todo o Brasil, reunindo ainda hoje música, artes plásticas e literatura num projeto de mobilização artístico-popular. Desse movimento surgiram expressões artísticas como Pedro Osmar, Paulo Ró, Chico César, Escurinho, Zé Ramalho, Lenine, Elba Ramalho, o fotógrafo Gustavo Moura, e outros que também beberam da mesma fonte.

No início da década de 1980 o movimento cultural em João Pessoa estava fortalecido pela prática militante e cotidiana de quem o compunha. Entre artistas plásticos, escritores, poetas e atores, destacaram-se os músicos do Jaguaribe Carne, que propuseram a criação do Musiclube da Paraíba. O espécime de associação musical se tornaria a referência daquela década, por onde passariam artistas conhecidos da cena atual, a exemplo de Milton Dornellas, Glaucia Lima, Kennedy Costa e Adeildo Vieira, que durante uma entrevista falou sobre o Musiclube:

“O Musiclube foi muito importante para a minha formação estética e política. Este movimento ensinou que o artista deve ter consciência de que, quando está no palco, existem o público de um lado e os bastidores de outro. De um lado está a representação do mercado, que é a vinda do público para ver o seu trabalho. E, por trás, aquilo que sustenta você como estrutura. O relacionamento com essas duas situações deixa muita gente perdida, transforma muitos em marionete. Enquanto uns se perdem, outros vão, mas sem saber voltar. Para você entrar de uma maneira consistente no mercado, nas luzes do palco e nos abajures dos bastidores, tem que ter consciência do seu papel. Isso evita que a pessoa vire um bonequinho, que muitas vezes as pessoas viram” . (Entrevista ao Jornal Zona Azul, em 2005, disponível em http://zonasulnatal.blogspot.com/2005/05/entrevista-adeildo-vieira.html)

Com a reconfiguração política e social do país, na Paraíba a década de 1990 foi marcada por novos protagonistas culturais. Um novo público, para novas formas e estilos artísticos. Embora ainda com feitios advindos das décadas anteriores, a produção artística se desenlaça do aspecto “militante” e dá início a um processo de ebulição de bandas, músicos e artistas que formariam uma nova cena cultural.

Uns mais ligados em apenas tirar um som, outros buscando reaver as tradições da cultura paraibana, o certo é que foram os jovens de então os responsáveis pela nova cara da música da Paraíba, menos aguerrida em política, mais ligada em produção. É aí que surgem as bandas Cabruêra, Rotten Flies, Dead Nomads, Projeto 50, Zefirina Bomba, Paudedáemdoido, As Parêa, entre outras.

Por fim, nesta última década, nos encontramos enquanto protagonistas de uma metamorfose que vem transformando a cena cultural da cidade, onde possibilidades e desafios são constantemente postos no caminhho dos que desejam viver, produzir e consumir arte. E isso eu detalho melhor no próximo texto.

(continua...)

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

É preciso reciclar as idéias

Discordo de algumas questões referentes à famigerada pauta sobre a democratização da comunicação. Não por divergir do eixo da idéia, mas pela falta de objetividade que o movimento propõe. O próprio conceito de comunicação é insuficiente e volúvel para definir um movimento que pretende a libertação da informação das amarras da mídia comercial, especuladora e geradora de senso comum.

Atualmente as discussões sobre a democratização da comunicação são norteadas pela idéia de ocupação da grande mídia pelas camadas populares. Não menosprezo a luta pelo controle social, entretanto percebo necessidades básicas que precisam ser atendidas para que num momento posterior possamos conquistar este ideário, que a preço de hoje está estagnado num discurso prolixo e utópico.

Não é possível imaginar a ascensão do povo ao poder (neste caso, à grande mídia), sem que antes haja uma formação qualitativa de quadros que pensem a comunicação e a mídia como ferramentas de auxílio no esclarecimento de questões que dizem respeito à qualidade de vida da população e à condição do indivíduo enquanto sujeito ativo, protagonista e determinador da sua história e realidade.

Quando falo de necessidades básicas me refiro a uma objetividade pragmática que incide na produção da informação a partir da sociedade e a difusão deste conteúdo através das novas mídias. Em linhas gerais, um contraponto ao modelo arcaico que submete a imprensa aos três principais pilares da grande mídia: a autoridade patronal, os interesses comerciais e as barganhas políticas.

A objetividade precisa nortear as ações dos movimentos pela democratização. E acredito que a mudança de termos viria a calhar: democratização da informação. Somente a partir da formação de quadros e a criação de meios de comunicação independentes, plurais e comprometidos com a difusão da informação qualitativa e propositiva é que podemos quebrar a lógica dos atuais dispositivos midiáticos, sugeridos por Foucault e José Ferreira como mecanismos de produção de subjetividade, capazes de definir os rumos da sociedade através da criação de consenso.